21 Dez Entrevista com Rogerio Dardeau
Hoje, o Winelicious tem o prazer de compartilhar convosco uma entrevista realizada com o Advogado e Escritor brasileiro Rogerio Dardeau. Nesta, ele conta-nos um pouco sobre uma das suas grandes paixões, o vinho, e apresenta-nos um olhar conhecedor sobre os vinhos e o enoturismo brasileiro. Confira!
Winelicious – Na sua opinião, os consumidores já compreendem as Indicações Geográficas brasileiras e o que isso reflete no produto final ou ainda é necessário informá-los?
Rogerio Dardeau – A legislação brasileira que definiu o conceito de Indicação Geográfica, bem como as categorias Indicação de Procedência – IP e Denominação de Origem – DO é de 1996. Portanto em 2018, a lei conta com 22 anos. É compreensível que os consumidores brasileiros de vinhos finos ainda não estejam suficientemente informados sobre o tema, apesar de que a primeira IG brasileira, dentre todas as categorias, foi exatamente para vinhos finos, no ano de 2001. Entendo que não nos devemos escravizar aos vinhos que ostentem selos de alguma IG. Eu, porém, considero que as IGs são agentes de qualificação e de identidade, facilitando a vida dos apreciadores. É relevante saber que a casta Merlot é a principal tinta e a casta Chardonnay é a principal branca da DO Vale dos Vinhedos. Isso exige cuidado dos produtores e pode orientar o consumo, de quem prefere essas castas.
W – Hoje já encontramos no Brasil vinhos de muita qualidade e projectos que contemplam um enoturismo de padrão internacional. Verificamos que nas últimas décadas houve uma evolução qualitativa, porém muita coisa ainda pode melhorar. Na sua visão, quais são os principais desafios do mercado vitivinícola brasileiro actualmente?
R – O mercado brasileiro de vinhos finos é dominado pelos importados. 80% dos vinhos finos tranquilos consumidos no Brasil são importados. Apenas os espumantes invertem esses volumes, sendo brasileiros exatamente 80% (ou algo bem próximo disso). Mas o problema, em meu ponto de vista, está na falta de conhecimento, pelo público consumidor, de nossos produtos. Costumo dizer que os vinhos finos brasileiros precisam mostrar mais a própria face. É nisso que os produtores precisam investir mais, para que seus rótulos sejam solicitados por clientes, nos restaurantes, em delis ou em supermercados. Sem dúvida, a carga tributária incidente sobre os vinhos é alta, mas, em minha opinião, não é o cerne da questão. O único restaurante do Brasil, no Rio de Janeiro, com uma carta de vinhos integralmente de rótulos brasileiros, tem fila na porta. Por que? Porque os sócios têm parcerias muito bem construídas com os produtores e a apresentação de vinhos aos clientes é uma constante. Outro exemplo é uma loja de vinhos, também dedicada somente aos vinhos finos brasileiros. Não é apenas um ambiente onde um cliente escolhe nas prateleiras. A casa promove encontros semanais de degustação. Qual o resultado? Mais conhecimento dos vinhos, pelo público consumidor, com o consequente aumento das vendas. Quanto ao enoturismo, ainda muito há que ser melhorado em infraestrutura.
W – O que pode ser feito para incitar a curiosidade pelos vinhos brasileiros?
R – Os produtores precisam aplicar um pouco mais na elaboração de vinhos de entrada, com preços cômodos, e têm de realizar apresentações mais frequentes dos vinhos que elaboram. Os organismos de classe precisam apoiar mais essas iniciativas.
W – Quais são as suas expectativas para o vinho brasileiro nos próximos anos?
R – Tenho ótimas expectativas. A vitivinicultura brasileira de vinhos finos ainda vive a infância. Nos últimos 30 anos, avançamos e bem. De uma produção localizada na Serra Gaúcha (estado federado do Rio Grando do Sul), temos hoje núcleos vitivinícolas em mais de dez estados. Cada novo ponto está a definir as próprias características, castas que se adaptam e estilos de vinhos. Isso vem contribuindo para aumentar a presença dos vinhos finos nas mesas dos consumidores. Vejo ainda dois avanços, para breve: a consolidação de uma DO específica de espumantes, que seria a primeira, fora da França; e nosso reconhecimento como produtores dos chamados vinhos naturais, ou de intervenção mínima. Recentemente, um Pinot Noir brasileiro, elaborado segundo esses princípios, esteve entre os mais significativos do mundo, num encontro especializado, na Holanda.
W – Actualmente, a OIV é presidida por uma brasileira, acredita que isso atrairá olhares para o vinho brasileiro e contribuirá para o seu posicionamento no mercado internacional?
R – A presença da Dra. Regina Vanderlinde em tão honrosa posição já demonstra que somos respeitados, embora sejamos ainda bem pequenos, em volumes de vinhos elaborados. O excelente nível técnico dos agrônomos e enólogos brasileiros tem sido a razão do avanço qualitativo de nossos vinhos. Sem dúvida, seremos mais observados pelo grande público.
W – O Brasil já conta com algumas regiões produtoras de vinhos, esta não é mais uma realidade apenas circunscrita ao RS. Consegue nos indicar uma região vitivinícola de eleição no país – aquela que acredita que vale mesmo muito a pena conhecer – e outra que esteja a despontar, mas que por ser promissora devamos ficar atentos ao trabalho nela desenvolvido?
R – Primeiramente, é bom registrar que há uma expansão importantíssima da fronteira vitivinícola, ocorrendo internamente ao estado do Rio Grande do Sul, que se redescobre, em matéria de vocação vitícola. Começamos a compreender que regiões distintas oferecerão vinhos típicos, assim como um Douro tem perfil distinto de um Dão ou de um Alentejo. Embora o grande público ainda não tenha observado, um varietal de Tannat da Serra Gaúcha é distinto de outro, da Campanha Gaúcha. Um Merlot da Serra do Sudeste Gaúcho é diferente de outro dos Campos de Cima da Serra. Um varietal da casta branca Peverella da Serra Gaúcha é único, raro… e por aí vamos. Mas esse nível de conhecimento é bem recente. Outro dado relevante é que as novas regiões produtoras de vinhos finos, para além do estado do Rio Grande do Sul, são muito jovens, ocorrendo somente a partir do ano 2000, exatamente para o estado vizinho de Santa Catarina. Já no curso dos primeiros anos do Século XXI, entra em cena a região sudeste do Brasil, especialmente o sul do estado de Minas Gerais e o nordeste do estado de São Paulo, em ambos os estados, no ambiente da Serra da Mantiqueira. Isso se deveu, em grande parte, à adoção do manejo de vinhedos com dupla poda, invertendo-se o ciclo das plantas, com colheitas no inverno. Uma inovação que nos vem mostrando vinhos notáveis, especialmente da casta Sauvignon Blanc e da tinta Syrah.
W – Pode compartilhar connosco uma harmonização que lhe agrade bastante?
R – É com prazer que compartilho duas harmonizações com pratos bem brasileiros: Moqueca de camarões com um varietal de Sauvignon Blanc, barricado, da serra de Santa Catarina; Perna de cabrito marinada na cerveja, assada, com um varietal da casta Tannat da Campanha Gaúcha. Se quisermos passar a pratos da cozinha francesa, recomendo um coelho de caçarola ao vinho, acompanhado por um dos elegantes cortes tintos de nossa DO Vale dos Vinhedos.