20 Jul História da vitivinicultura brasileira
1500
A história da vitivinicultura brasileira intersecta com a história de Portugal. Relatos históricos apontam que uma das caravelas da frota de Pedro Álvares Cabral zarpou de Lisboa provida de vinho tinto (Pêra-Manca, proveniente da região do Alentejo) para manter a tripulação activa, para além ser utilizado no preparo e higienização dos alimentos, bem como nas missas celebradas diariamente em cada uma das 13 naus.
Já em território brasileiro, a viticultura foi utilizada na ocupação do interior brasileiro por ser uma cultura de fixação do homem à terra. As primeiras mudas de Vitis vinífera foram introduzidas por Martim Afonso de Sousa, no ano de 1532, na Capitania de São Vicente, no sudeste do país, mas as condições desfavoráveis de clima e solo impediram que a experiência seguisse adiante. Um ano depois, o fundador da cidade de Santos, o fidalgo nascido na cidade do Porto, chamado Brás Cubas, membro da expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, persistiu no cultivo de videiras, transferindo suas plantações do litoral para o Planalto Atlântico. No ano de 1551, ele conseguiu elaborar o primeiro vinho brasileiro, tornando-se o primeiro vitivinicultor do Brasil. Porém, a sua iniciativa não perdurou.
1600
As primeiras tentativas da viticultura no Brasil foram inglórias quer pela não adaptação da cultura às características ambientais da região quer pelo proteccionismo comercial exercido pela coroa portuguesa. No ano de 1626, a viticultura no extremo sul do Brasil foi impulsionada com a chegada dos jesuítas à região das Missões. Estes com a ajuda dos índios elaboravam vinho para as celebrações religiosas. Já no ano de 1640, foi realizada a primeira degustação orientada em território brasileiro, relatada na 1ª Ata da Câmara de São Paulo. Esta ambicionava padronizar os vinhos comercializados no país. Observe, porém, que a acção foi direccionada essencialmente aos produtores do Sudeste, que persistiam no cultivo de uvas em locais inadequados.
1700
Imigrantes portugueses, maioritariamente açorianos, chegaram ao país, no ano de 1732, para povoar a zona litorânea do Rio Grande do Sul, formando colónias em Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre. Com eles trouxeram mudas das ilhas dos Açores e da Madeira, no entanto o cultivo não ganhou expressão.
Em Setembro de 1756, Portugal impôs largas cotas de Vinho do Porto ao Brasil, obrigando a compra do excedente de Vinho do Porto que os ingleses não lhes compravam. Anos mais tarde, o desenvolvimento, a industrialização e o consequentemente enriquecimento do Brasil (ainda que a passos lentos) ameaçavam as receitas portuguesas. Assim, no intuito de assegurar o mercado da metrópole, a rainha Dona Maria I baixou um alvará, em 5 de Janeiro de 1785, proibindo toda a actividade manufactureira no Brasil, impossibilitando que as matérias-primas nacionais fossem aí transformadas, forçando que os produtos manufacturados tivessem que vir necessariamente de Portugal, o que veio a comprometer também a indústria vitivinícola no Brasil.
Ainda no século XVIII, mais precisamente no ano de 1789, ao perceber a proliferação das iniciativas em torno da vinicultura no Brasil, a corte portuguesa proibiu o cultivo de uva na colónia como forma de proteger sua própria produção, medida esta que inibiu a comercialização da bebida naquele território e limitou a actividade ao consumo doméstico.
1800
Em 1808, com a invasão napoleónica em Portugal, a família real portuguesa refugiou-se no Brasil e aproximadamente 90% da corte e mais centenas de pessoas letradas e profissionais liberais também migraram. Com a transferência da coroa portuguesa para o Brasil, não apenas foi derrubada a proibição ao cultivo da uva como expandiram os hábitos em torno do vinho. A bebida foi então incorporada às refeições, reuniões sociais e variadas festividades religiosas. Nos treze anos de permanência de Dom João VI com a sua corte e a abertura dos portos, chegaram muitos vinhos de todas as partes do mundo.
Anos mais tarde, em 1824, chegaram os imigrantes alemães em território brasileiro, formando a sua primeira colónia em São Leopoldo, próxima a Porto Alegre. O início da colonização alemã propulsionou o número de imigrantes interessados em vinho. Neste mesmo período, o italiano João Batista Orsi se fixou na Serra Gaúcha e, com a concessão de Dom Pedro I para o cultivo de uvas europeias, tornou-se um dos precursores do ramo na região.
No ano de 1840, foram implementadas no Rio Grande do Sul pelo inglês Thomas Messiter, uvas Vitis lambrusca e Vitis bourquina, de origem americana (mais resistentes a doenças). Vinte anos mais tarde, a uva da casta Isabel, uma das variedades americanas introduzidas no Rio Grande do Sul, se populariza (registos apontam que, por volta de 1860, ela já formava vinhedos nas cidades de Pelotas, Viamão, Gravataí, Montenegro e municípios do Vale dos Sinos).
A vitivinicultura gaúcha teve um grande impulso a partir do ano de 1875, com a chegada de imigrantes italianos, que aportaram com videiras trazidas principalmente da região do Vêneto e uma forte cultura de produção e consumo de vinhos. A vitivinicultura brasileira deu um salto na sua produção com a chegada destes imigrantes que com eles trouxeram o conhecimento técnico de elaboração e a cultura do consumo, elevando a qualidade da bebida e conferindo importância económica à actividade.
1900
Devido ao incentivo do Governo Federal que pretendia arrecadar impostos sobre a produção e comercialização das uvas e dos vinhos, começaram, em 1910, a surgir as primeiras empresas do sector vitivinícola brasileiro. Face à concorrência desordenada, a oscilação da qualidade e o crescimento da importância da actividade, foi criado o Sindicato do Vinho na perspectiva de organizar o sector. Um ano depois, o associativismo é adoptado pelos agricultores e num período de 10 anos, 26 cooperativas são fundadas, entre elas algumas que seguem actuando até hoje (este modelo permitiu dar competitividade aos pequenos produtores e direccioná-los à uma situação de equilíbrio, alcançada na década seguinte).
Desde a década de 1920, o produtor, mais adaptado à região e em busca de maior qualidade para os seus vinhos, passou a optar pelas uvas Vitis viníferas, cujo rendimento é menor, mas que conferem uma qualidade superior ao produto final.
Note-se que a viticultura brasileira até a década de 1960 ficou bastante concentrada nas regiões sul e sudeste, mantendo as características de cultura de clima temperado, com um ciclo vegetativo anual e um período de repouso, definido pela ocorrência de baixas temperaturas dos meses de inverno. Contudo, com a difusão do cultivo das castas de Vitis vinífera no Vale do Submédio São Francisco, especialmente da uva “Itália”, começou uma nova fase na história da viticultura brasileira, o marco inicial da viticultura tropical no Brasil. A viticultura tropical expandiu-se rapidamente e na década de 1970 deu-se a consolidação do polo do Norte do Paraná e dos polos do Noroeste de São Paulo e do Norte de Minas Gerais na década seguinte.
Outro acontecimento relevante para a história da vitivinicultura no Brasil foi a abertura económica do país, o que permitiu obter melhorias no sector. À medida que o público teve acesso a diferentes estilos de vinhos e a concorrência dos vinhos importados se fez sentir, os produtores nacionais tiveram que aprimorar a qualidade dos seus produtos (a melhoria começou na década de 80 com a reconversão de vinhedos do sistema latada por espaldeira e um incremento do cultivo de variedades europeias ao invés das americanas, sendo impulsionada com a referida abertura económica do Brasil).
Na década de 1990 surgiram novos polos vitícolas, alguns orientados para a produção de uvas de mesa e outros para a produção vinícola e de sumos (sucos, no Brasil). A partir desta década, com a profissionalização e a adaptação de uvas finas ao clima peculiar da Serra Gaúcha, os vinhos brasileiros deram um salto qualitativo e o país começou a produzir vinhos de qualidade até então nunca antes elaborados.
2000
Com a vitivinicultura brasileira difundida em diferentes regiões, do Sul ao Nordeste do país, cada região começou a investir no desenvolvimento de uma identidade própria. O Vale dos Vinhedos vem na vanguarda deste processo de identidade regional e no ano de 2002 obteve a sua Indicação de Procedência.
Nesta crescente e promissora história da vitivinicultura brasileira, a região do Vale do São Francisco (a principal região vitivinícola tropical brasileira), situada nos estados de Pernambuco e Bahia, não tem passado despercebida e começa a se destacar como uma região próspera. O seu sucesso se deve à uma peculiaridade, isto é, devido às suas condições climáticas, esta região consegue produzir vinhos de qualidade oriundos de dois a três ciclos vegetativos por ano, sendo a única região no mundo a fazê-lo.